sábado, 29 de maio de 2010

Bam: Prólogo


Nasci em vinte e um de fevereiro de 1970. Meus pais disseram-me que eu não queria vir ao mundo. Tenho algumas teorias sobre o porquê, mas isto não é assunto para agora.

Até meus oito anos, eu não tive uma vida digna de narração. Morava em uma pequena cidade chamada Eyrie no sul da Califórnia. Meus pais eram Selena e John, uma costureira e um cara que fazia qualquer coisa que aparecesse pela frente. Era uma criança comum, como qualquer outra: Repleto de amigos, alegre, talvez um pouco distraído demais.

Tive uma vida pacata de cidade pequena, às vezes íamos ao parque e às vezes visitávamos meus tios numa cidade vizinha. Não posso reclamar de primeira infância conturbada.

Foi assim até a madrugada do primeiro dia de setembro, um dia antes do primeiro dia de aula quando eu ingressaria na terceira série, em que eu acordei de súbito.

Examinei meu quarto, olhando pros lados. Ele cheirava a madeira e a aposento abafado. Meu quarto ficava embaixo da escada que levava ao segundo andar, era muito apertado e escuro, pois só tinha uma janela que eu nunca abria. As paredes de madeira eram repletas de desenhos meus, pregados. Havia apenas uma cama, um armário de roupas, e alguns brinquedos velhos, com os quais eu nem brincava mais.

Outra pessoa desceu a escada, seguindo a que me acordara com seus passos pesados. Ela sussurrava coisas incompreensíveis, mas num tom de súplica.

Pé ante pé andei até a porta e abri uma fresta, observando o que ocorria na sala, diretamente a frente do meu quarto. Corria um vento frio pelo meu corpo quase despido, e eu tremi.

Meus pais estavam lá. Selena sussurrava, enquanto papai rosnava raivoso. Selena era uma mulher baixinha, de cabelos castanho-claro, presos em um coque na nuca. Seus olhos eram pequenos e inexpressivos, e seu corpo já não tinha tantas curvas, apesar de seus humildes vinte-para-trinta anos.

John era um homem muito alto, um gigante em comparação à Selena. Ele tinha cabelos cor de palha, dispostos para todos os lados. Seu rosto era jovial, e sua pele bronzeada. Seu corpo era forte, e suas feições grosseiras, marcadas por rugas e linhas de expressões já acentuadas.

-Há quanto tempo? – Sibilou John.

-John, por favor... – Disse Selena, baixando os olhos.

-Eu perguntei: - Ele aproximou-se e erguendo perigosamente sua mão, segurou o queixo de Selena, levantando seus olhos até que encontrasse os dele. – Há quanto tempo? – Completou, cuspindo as palavras com uma raiva incoerente.

-Dois meses... – Sussurrou ela.

John a largou com certa brutalidade, livrando-a de seu aperto e afastou-se, virando-se para o outro lado.

Ele pôs uma mão na cintura e outra na testa, desamparado. Selena agora chorava abertamente, enquanto eu observava a cena, petrificado.

-Ele já esteve aqui, não? Enquanto eu trabalhava, ou enquanto eu saía com os meus amigos? Ele já esteve aqui?! – Perguntou ele, gritando a última questão.

-Não sei, talvez... – Ela parou quando ele se aproximou em um passo largo, levantando a mão. – Sim, já esteve! – Mas John desceu a mão antes que seu cérebro processasse o que Selena dissera, acertando-lhe um tapa no rosto, que a desequilibrou, e a fez cair na frente de um sofá, impedindo-me de vê-la. Ela abafou um grito, e começou a chorar como nunca.

-Cadela! Meretriz! Vadia! É o que você é, sua canalha! – Disse ele, massageando sua mão. – Você não vale a comida que eu ponho na mesa, o dinheiro que eu trago pra casa! Robert vai comigo, ah vai!

-Você vai ir para onde? – Perguntou Selena em um sussurro quase inaudível. Meu coração doeu quando notei que ela não se preocupou em defender minha estadia junto a ela.

-Você esperava que eu ficasse aqui, após saber que você me trai há dois meses?! – Disse, encarando-a com um olhar feroz. – Você é ridícula!

-E Robert? Você vai trabalhar o dia inteiro, e... Você não tem uma casa...

-Eu devia ficar com esta casa, e você sabe disso! – Disse John, estalando os nós dos dedos. – Mas eu não quero esta casa, cheia de você, e de seu amante. Como eu poderia sentar neste sofá de hoje em diante, sabendo que está impregnado de... – Ele não completou a frase, apenas respirou fundo.

Selena notou sua hesitação, e achou que a conversa estava tomando um rumo mais calmo, e tentou se levantar. Mas John só estava tentando controlar sua fúria, e quando ela começou a se movimentar, ele ergueu sua mão mais uma vez, e mais uma vez desceu pesadamente em seu rosto, repetidas vezes, até que Selena começasse a gritar por seu perdão, e de dor.

Ele não parou, até que sua mão subiu com sangue. E eu estava observando tudo aquilo, estupefato. Minha mente estava confusa, e eu não sabia se gritava para que ele parasse, ou se eu me escondia, como se nada houvesse acontecido. Mas não fiz nada. E de certo modo me senti culpado por causa de minha mãe e de meu pai terem se separado.

Não consegui dormir àquela noite, enquanto eu ouvia meu pai pegar suas roupas, objetos de maior importância, e tudo o que ele quisesse, socando em uma mala. Fingi que estava dormindo, quando ele entrou no meu quarto, inclinou-se sobre mim, e beijou minha bochecha. Senti sua mão abrindo espaço por baixo do meu travesseiro, e depois ele tirou-a rapidamente. Ele saiu em passos lentos, hesitantes, e fechou a porta com cuidado. Ouvi a porta da frente de casa abrir e fechar, e meu pai entrar no seu carro, ligando o motor, e indo embora.

Ouvia minha mãe chorar em guinchos baixos.

Quis que aquilo parasse, mas não conseguia ao menos tapar meus ouvidos. Não dormi aquela noite.

Um pouco antes de amanhecer, minha mãe estava movimentando-se incessantemente, arrumando a esculhambação do dia anterior, e limpando a sala. Ela não queria que eu soubesse de nada.

Quando ela bateu na minha porta, na primeira hora da manhã, eu demorei um pouco para me levantar, e me vestir.

Abri a porta do meu quarto, e minha mãe estava lá. Seu cabelo estava penteado, no mesmo coque de sempre. Seu rosto estava repleto de hematomas horríveis, e um olho seu estava inchado. Ela tinha um corte nas têmporas, e sua boca ainda apresentava resquícios de sangue seco.

-Mamãe...? – Perguntei, com a voz fraca. – O que aconteceu com você? – Hoje eu me pergunto por que eu escondi o fato de eu ter presenciado tudo aquilo. Eu era uma criança, portanto a idéia de eu ter compreendido tão bem o que ocorrera à noite, hoje me deixa transtornado. Eu acho que a convivência com meus pais – perturbados – me levou a amadurecer precocemente, mas nada como a imagem de meu pai espancando minha mãe, e nos deixando.

-Eu caí. – Disse ela, com um sorriso tão doce quanto bobo. – Seu pai sempre dizia que eu acabaria caindo desta escada, e foi o que aconteceu. – Ela engoliu em seco, e falou. Falou por meia hora numa linguagem excessivamente doce, que meu pai fora viajar, e que não sabia quando voltaria, e que não era para eu esperá-lo. Ela disse que ele me amava, mas que talvez não pudesse mais vê-lo. Assenti em silêncio, e me segurei pra não chorar.

Antes de ir para o colégio, eu pus a mão embaixo do travesseiro, e encontrei um pedaço de papel amassado. Quando o desamassei, li as palavras escritas em uma caligrafia dura e desalinhada:

"Volto por você. Te amo, Bam."


OMG, prólogo do meu livro que eu estou finalizando!

6 comentários:

  1. A-M-E-I.
    tu escreve como ninguem, tudo extremamente correto e lindo. parabéns

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  2. Meu Deus! Será que eu aguento esperar mais por esse livro?
    -
    Simplesmente PERFEITO! Você é O cara! :)

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  3. Simplesmente muito perfeito *_*
    Tomara qe esse livro saia logo
    Parabens mesmo
    (:

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  4. É muito bom esse começo... Altos dramas na largada, hahaha!
    Eu quero ver o resto! *-*
    Continue nesse caminho aí!!

    Abração!! =D

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  5. Bam é perfeito demais *-*
    Muito super !

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