domingo, 6 de junho de 2010

A Vida Passa



Estava rápido demais, segundo a minha própria percepção denunciava. As árvores eram borrões a sujar minha visão. As coisas passavam depressa. A vida passava depressa. Mas o tempo não. O tempo sempre conseguia ser soberano, e exibia um vil prazer em torturar.

Mais rápido. O vento feria meu rosto, mas me privava do trabalho de secar as lágrimas que agora escorriam livremente. Minha visão estava embaçada, ainda que eu devesse ao menos estar prestando atenção na estrada.

Mais uma vez me via naquela tênue linha que dividia a lucidez e a loucura. E não pretendia sair dali.

Mais rápido, dizia a mim mesmo.

A vida passava.

A vida passava e eu me dava conta que o tempo também passava, sutilmente. E o vendo agora era a minha constante, e aonde eu iria, seria meu único amigo.

Mais rápido, sussurravam vozes em meus ouvidos.

A noite caiu, e eu tive de acender os faróis. Foi estranho reconhecer minha voz enquanto eu falava com impressões de minha mente.

Mas estava só. Sem perspectiva, mas com várias palavras em mente. Palavras que perdiam a importância gradativamente.

Mais rápido, falou a noite, e as luzes agora passavam por mim uma a uma. Mais rápido, falaram elas, e tornaram-se uma só.

O tempo passa. E a vida passava, e uma hora acabava.

Mas eu não queria acabar com a minha fugindo. Fugindo da minha própria vida.

Devagar, disse Jason.

Não, eu não ia acabar fugindo do meu passado. Fugindo de um nome e de todos os que poderiam pronunciá-lo. Fugindo a duzentos quilômetros por hora, para lugar nenhum, onde nem eu mesmo pudesse me achar.

sábado, 29 de maio de 2010

Bam: Prólogo


Nasci em vinte e um de fevereiro de 1970. Meus pais disseram-me que eu não queria vir ao mundo. Tenho algumas teorias sobre o porquê, mas isto não é assunto para agora.

Até meus oito anos, eu não tive uma vida digna de narração. Morava em uma pequena cidade chamada Eyrie no sul da Califórnia. Meus pais eram Selena e John, uma costureira e um cara que fazia qualquer coisa que aparecesse pela frente. Era uma criança comum, como qualquer outra: Repleto de amigos, alegre, talvez um pouco distraído demais.

Tive uma vida pacata de cidade pequena, às vezes íamos ao parque e às vezes visitávamos meus tios numa cidade vizinha. Não posso reclamar de primeira infância conturbada.

Foi assim até a madrugada do primeiro dia de setembro, um dia antes do primeiro dia de aula quando eu ingressaria na terceira série, em que eu acordei de súbito.

Examinei meu quarto, olhando pros lados. Ele cheirava a madeira e a aposento abafado. Meu quarto ficava embaixo da escada que levava ao segundo andar, era muito apertado e escuro, pois só tinha uma janela que eu nunca abria. As paredes de madeira eram repletas de desenhos meus, pregados. Havia apenas uma cama, um armário de roupas, e alguns brinquedos velhos, com os quais eu nem brincava mais.

Outra pessoa desceu a escada, seguindo a que me acordara com seus passos pesados. Ela sussurrava coisas incompreensíveis, mas num tom de súplica.

Pé ante pé andei até a porta e abri uma fresta, observando o que ocorria na sala, diretamente a frente do meu quarto. Corria um vento frio pelo meu corpo quase despido, e eu tremi.

Meus pais estavam lá. Selena sussurrava, enquanto papai rosnava raivoso. Selena era uma mulher baixinha, de cabelos castanho-claro, presos em um coque na nuca. Seus olhos eram pequenos e inexpressivos, e seu corpo já não tinha tantas curvas, apesar de seus humildes vinte-para-trinta anos.

John era um homem muito alto, um gigante em comparação à Selena. Ele tinha cabelos cor de palha, dispostos para todos os lados. Seu rosto era jovial, e sua pele bronzeada. Seu corpo era forte, e suas feições grosseiras, marcadas por rugas e linhas de expressões já acentuadas.

-Há quanto tempo? – Sibilou John.

-John, por favor... – Disse Selena, baixando os olhos.

-Eu perguntei: - Ele aproximou-se e erguendo perigosamente sua mão, segurou o queixo de Selena, levantando seus olhos até que encontrasse os dele. – Há quanto tempo? – Completou, cuspindo as palavras com uma raiva incoerente.

-Dois meses... – Sussurrou ela.

John a largou com certa brutalidade, livrando-a de seu aperto e afastou-se, virando-se para o outro lado.

Ele pôs uma mão na cintura e outra na testa, desamparado. Selena agora chorava abertamente, enquanto eu observava a cena, petrificado.

-Ele já esteve aqui, não? Enquanto eu trabalhava, ou enquanto eu saía com os meus amigos? Ele já esteve aqui?! – Perguntou ele, gritando a última questão.

-Não sei, talvez... – Ela parou quando ele se aproximou em um passo largo, levantando a mão. – Sim, já esteve! – Mas John desceu a mão antes que seu cérebro processasse o que Selena dissera, acertando-lhe um tapa no rosto, que a desequilibrou, e a fez cair na frente de um sofá, impedindo-me de vê-la. Ela abafou um grito, e começou a chorar como nunca.

-Cadela! Meretriz! Vadia! É o que você é, sua canalha! – Disse ele, massageando sua mão. – Você não vale a comida que eu ponho na mesa, o dinheiro que eu trago pra casa! Robert vai comigo, ah vai!

-Você vai ir para onde? – Perguntou Selena em um sussurro quase inaudível. Meu coração doeu quando notei que ela não se preocupou em defender minha estadia junto a ela.

-Você esperava que eu ficasse aqui, após saber que você me trai há dois meses?! – Disse, encarando-a com um olhar feroz. – Você é ridícula!

-E Robert? Você vai trabalhar o dia inteiro, e... Você não tem uma casa...

-Eu devia ficar com esta casa, e você sabe disso! – Disse John, estalando os nós dos dedos. – Mas eu não quero esta casa, cheia de você, e de seu amante. Como eu poderia sentar neste sofá de hoje em diante, sabendo que está impregnado de... – Ele não completou a frase, apenas respirou fundo.

Selena notou sua hesitação, e achou que a conversa estava tomando um rumo mais calmo, e tentou se levantar. Mas John só estava tentando controlar sua fúria, e quando ela começou a se movimentar, ele ergueu sua mão mais uma vez, e mais uma vez desceu pesadamente em seu rosto, repetidas vezes, até que Selena começasse a gritar por seu perdão, e de dor.

Ele não parou, até que sua mão subiu com sangue. E eu estava observando tudo aquilo, estupefato. Minha mente estava confusa, e eu não sabia se gritava para que ele parasse, ou se eu me escondia, como se nada houvesse acontecido. Mas não fiz nada. E de certo modo me senti culpado por causa de minha mãe e de meu pai terem se separado.

Não consegui dormir àquela noite, enquanto eu ouvia meu pai pegar suas roupas, objetos de maior importância, e tudo o que ele quisesse, socando em uma mala. Fingi que estava dormindo, quando ele entrou no meu quarto, inclinou-se sobre mim, e beijou minha bochecha. Senti sua mão abrindo espaço por baixo do meu travesseiro, e depois ele tirou-a rapidamente. Ele saiu em passos lentos, hesitantes, e fechou a porta com cuidado. Ouvi a porta da frente de casa abrir e fechar, e meu pai entrar no seu carro, ligando o motor, e indo embora.

Ouvia minha mãe chorar em guinchos baixos.

Quis que aquilo parasse, mas não conseguia ao menos tapar meus ouvidos. Não dormi aquela noite.

Um pouco antes de amanhecer, minha mãe estava movimentando-se incessantemente, arrumando a esculhambação do dia anterior, e limpando a sala. Ela não queria que eu soubesse de nada.

Quando ela bateu na minha porta, na primeira hora da manhã, eu demorei um pouco para me levantar, e me vestir.

Abri a porta do meu quarto, e minha mãe estava lá. Seu cabelo estava penteado, no mesmo coque de sempre. Seu rosto estava repleto de hematomas horríveis, e um olho seu estava inchado. Ela tinha um corte nas têmporas, e sua boca ainda apresentava resquícios de sangue seco.

-Mamãe...? – Perguntei, com a voz fraca. – O que aconteceu com você? – Hoje eu me pergunto por que eu escondi o fato de eu ter presenciado tudo aquilo. Eu era uma criança, portanto a idéia de eu ter compreendido tão bem o que ocorrera à noite, hoje me deixa transtornado. Eu acho que a convivência com meus pais – perturbados – me levou a amadurecer precocemente, mas nada como a imagem de meu pai espancando minha mãe, e nos deixando.

-Eu caí. – Disse ela, com um sorriso tão doce quanto bobo. – Seu pai sempre dizia que eu acabaria caindo desta escada, e foi o que aconteceu. – Ela engoliu em seco, e falou. Falou por meia hora numa linguagem excessivamente doce, que meu pai fora viajar, e que não sabia quando voltaria, e que não era para eu esperá-lo. Ela disse que ele me amava, mas que talvez não pudesse mais vê-lo. Assenti em silêncio, e me segurei pra não chorar.

Antes de ir para o colégio, eu pus a mão embaixo do travesseiro, e encontrei um pedaço de papel amassado. Quando o desamassei, li as palavras escritas em uma caligrafia dura e desalinhada:

"Volto por você. Te amo, Bam."


OMG, prólogo do meu livro que eu estou finalizando!

domingo, 23 de maio de 2010

Diante do Imprescindível


E a vida continua, ela sempre continua. Basta a gente pedir um tempo pra respirar que ela nos atropela.

Ela é arrebatadora. Ela não pede licença. Ela só segue seu curso e não se importa se a estamos acompanhando ou não.

É implacável. É fria. Ela não dá tapinhas nas suas costas dizendo que tudo vai ficar bem, por que no fim das contas ela sabe que não vai.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Como Costumava Ser



Às vezes a vida não faz tanto sentido quanto devia fazer. Às vezes eu acho que eu tenho muito a dizer pro mundo, mas que o mundo não me entenderia. E mesmo que me entendesse, quem estaria disposto a me ouvir?

Mas eu quero falar, ainda que cada vez mais eu me sinta impelido à não fazê-lo; Por que um dia a gente cresce, e vê que as pessoas aprendem tudo, de um jeito ou de outro. Mas eu sou impaciente.

Eu sou mal-entendido, sou hostilizado, sou o alvo perfeito. Sou reprimido. Sou egoísta por me achar tão à frente do meu tempo, mesmo no fundo sabendo que eu não sou.

E o que mais me dói é saber que não basta ser você para ser alguém. Você tem que ser várias pessoas, você tem que ser vítima das circunstâncias, você tem que ser um produto do seu tempo e uma síntese das tendências. Isso se você quiser ser alguém.

“Qualquer coisa que você faça será insignificante, mas é muito importante que você o faça.”

E eu penso na identidade que eu venho criando. Nas atitudes que eu venho tomando. E mais uma vez eu acordo pra realidade, e noto que eu sou inseguro, inseguro por não me conhecer totalmente. Inseguro por não ter a capacidade de visar um futuro.

Há muito tempo substituí minhas esperanças por medos, e meus sonhos por planos.

Tudo o que eu queria era ter coragem pra jogar tudo pro alto. Tudo de bom e de ruim que eu já construí eu deixaria pra trás, só pra ter a chance de começar tudo de novo, levando comigo uma mala com o estritamente necessário, e um bocado de esperança e muita ilusão;

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mais Pesado Que o Céu


Lembro de um tempo em que o inocente comprometimento com o comprometer moveu multidões.

Lembro de um sentimento ardente, uma sede insaciável por compreensão. Ainda lembro daquela gente que só queria ser entendida.

Lembro de um dia em que todas as vozes se uniram em uma só canção. Lembro de nuvens negras encobrindo o sol.

Uma estrela sumiu no horizonte, uma geração inteira fehou os olhos e prendeu a respiração enquanto não entendia ao certo o que havia acontecido. Enquanto não entendiam que o mundo havia mudado para sempre.

Lembro do dia em que anjos trocaram suas liras por guitarras, e lembro de tudo isso com o coração pesado.

Há dezesseis anos morria Kurt Cobain, um genuíno ser humano, com suas muitas fraquezas, com seus inúmeros sonhos, e com um grande coração que aos poucos ia perdendo o seu valor.

Um homem simples, um homem conturbado, alguém que não estava preparado para suportar tudo o que a vida lhe impusera. Alguém que preferiu queimar em uma chama, a dissipar-se aos poucos.

Alguém que despertou minha admiração, alguém que tocou profundamente meus sentimentos.

Paz, amor, empatia.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Os Últimos Dias dos Riquixás


Para modernizar sua imagem, Calcutá – atual Kolkata – está banindo um importante símbolo do passado colonial da índia.

Algumas vezes, em meio ao mar de buzinas e gritos, se ouve um sino. O que se vê, de fato é um riquixá: Ao invés de ser puxada por um cavalo ou outro animal, uma carroça era conduzida por um homem – em geral raquítico, encardido e descalço, parecendo pouco apto a tarefa.

Kolkata ainda é muito associado e lembrado à Madre Teresa de Calcutá – grande defensora dos oprimidos, sempre lutando por causas sociais – e por isso associam a cidade com miséria e pobreza, quadro que está sendo revertido em passos muito lentos.
Foram anos marcados por apagões, desemprego, fuga de indústrias e violência.

Ainda existe muita gente dormindo nas ruas, mas a cidade mudou.
Para adaptar à cidade à imagem de “cidade moderna” que quer passar, o governo pensa em eliminar os riquixás puxados a mão, alegando razões humanitárias e principalmente por que é ofensivo ver “um homem suando e se esfalfando para puxar outro homem”. Mas hoje em dia, os políticos também lamentam o impacto de 6 mil desses riquixás no tráfego de uma cidade moderna, e, sobretudo em sua imagem.

O povo – não pobre, mas que está a dois dedos acima da pobreza, que não pode bancar um táxi mas já pode se privar de andar a pé pela cidade – é que usa os riquixás. É gente que costuma fazer trajetos curtos, por travessas que às vezes são inacessíveis aos taxistas.

Um Wallah (puxador de riquixá) pode fazer entre 100 e 150 rúpias por dia, das quais têm que pagar 20 pelo uso do riquixá e eventuais 75 rúpias de propina quando é parado pela polícia quando, por exemplo, cruzou uma rua proibida para riquixás.

Quando algum Wallah é perguntado se ele acha que o plano do governo de livrar a cidade dos riquixás se baseia num legítimo interesse pelo bem-estar deles, ele sorri e acena a cabeça, gesto a ser interpretado como “Se você é tão ingênuo a ponto de fazer uma pergunta dessas, não vale apena gastar palavras com uma resposta.”


Baseado em uma reportagem homônima do National Geografic (again?)


(E agora, por que eu postei isso, não é mesmo?)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Coração Cigano



Algum dia eu vou entender que eu não estou sozinho no mundo. Algum dia eu vou entender que a vida não é só feita de feridas.

Algum dia eu vou entender para que servem as minhas várias cicatrizes, e vou entender também que meus erros, afinal, serviram pra algumas coisa.

Mas eu preciso me ater agora às coisas que eu entendo. Entendo que os tropeços me ensinaram a cair. Entendo que a vida já me machucou o suficiente para que eu não chore a cada falha.

Eu entendo que às vezes é necessário correr contra o muro, para se lembrar por que se deve parar antes de bater de cara. Entendo que meu coração só aprende em dor.

Começo a entender o curso da vida. Entendo que pouco entendo, e sei que nem eu ao menos, me entendo.

Nesse meio tempo, dar as costas ao conforto me reconforta, e não vou descansar até encontrar meu lugar.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Soletre Inevitabilidade



Melanie acordava às seis horas da manhã há pelo menos dois anos.

Allan acordava às oito.

Naquela época, Jasper acordava um pouco mais tarde.

Melanie preparava o café da manhã, o deixava intocado na geladeira e ia tomar banho. Ela não comia de manhã para não desperdiçar seu tão concorrido tempo.

Allan acordava e ia direto ao banheiro fazer a barba, que o deixava com cara de bêbado sem função.

Jasper tinha quem fizesse sua comida favorita todas as manhãs, e não se preocupava com quando ia tomar banho.

Melanie beijava suas duas filhas toda manhã antes de deixá-las para ir ao trabalho.

Allan não tinha fotos na estante, tampouco pessoas para se despedir. “Ainda”, como ele costumava pensar.

Jasper ainda vivia com seus pais, mas não prezava o fato exatamente como devia.

Melanie pegava um taxi até a sua empresa.

O taxi de Allan era seu trabalho.

Jasper não tinha porque trabalhar.

Melanie odiava seu trabalho. Ela ouvia tardes intermináveis de insultos e gritos, e todos gritavam com ela. Toda vez que ela decidia que ia largar tudo para o alto e ser pintora, ela ouvia a voz de suas filhas e pedia a si mesma para agüentar. Só mais um pouco.

Allan gostava do que fazia, mesmo que seu trabalho não abrisse espaço para todos os sonhos que ele tinha quando mais jovem. Ele já não tinha uma vida toda pela frente, e se conformava em ser feliz trabalhando e vendo os amigos às sextas, no bar perto de sua casa.

Jasper tinha vários amigos, e naquele dia em especial eles se reuniram na casa dele antes da cerimônia de formatura do colegial. Jasper não ligava muito para essas formalidades, mas esperava ansioso pela festa.

Melanie acabara de receber a notícia de que teria de estender seu período até o fim da noite.

Allan sempre trabalhava até que seus olhos se cansassem de prestar atenção aos carros mais próximos.

Algum dos amigos de Jasper trouxera uma caixa de cerveja.

Já era noite, e Melanie olhava desesperada para o relógio de minuto em minuto. Mais uma noite que ela não jantava com suas filhas. Mais uma noite em que ela choraria antes de dormir por não ser uma mãe presente.

Allan batia a cabeça no volante, enquanto nenhum cliente aparecia. “Ainda há tempo de viver minha vida”, pensou, e assim respirou fundo.

Jasper estivera bêbado demais para comparecer à sua formatura, e seus pais eram ausentes demais para notar isso.

Melanie foi dispensada.

Allan estava a ponto de chorar.

Jasper e seus amigos pegaram o carro.

Melanie correu para fora do prédio da sua empresa, e recorreu ao único taxi disponível àquela hora.

Allan abriu a porta para aquela moça simpática, e ia levando-a para seu destino.

Jasper decidiu mostrar à seus amigos o quão potente o carro de seus pais era.

Melanie não pode fazer nada se não gritar. Allan não pode fazer nada se não tentar desviar do carro descontrolado que vinha em sua direção. Jasper podia ter feito algo, mas não naquele momento.

Um garoto eternamente marcado pela culpa, um homem inválido e uma vida interrompida enquanto ainda havia muito a se fazer.

As filhas de Melanie sentiriam falta da sua mãe. Chorariam todas as noites a partir do dia que entendessem que ela morrera, mas acabariam por esquecer até mesmo os seus traços. Não era justo que Melanie fosse esquecida, mas assim seria.

Allan não poderia mais trabalhar, e o resto de sua vida melancólica seria em uma cadeira de rodas. Ele já não teria mais sonhos, não teria mais desejos, não teria ambições. Aos poucos ele perderia o contato com todos que amava, e cairiam no esquecimento. Não era justo que Allan fosse esquecido, mas assim seria.

Jasper sobreviveu ileso por fora, mas despedaçado por dentro. Mas ele nunca cairia no esquecimento. Ele sobreviveu para ser lembrado pelas filhas de Melanie e por Allan. Ele sobreviveu para ser lembrado, mas principalmente para lembrar. A cada noite, e a cada sonho suado ele lembraria que as coisas poderiam ter sido diferentes, ele lembraria que destruíra duas vidas, e tais lembranças o assombrariam para o resto de sua existência.

São detalhes que mudam nossa vida, e você nunca sabe o que pode acontecer. A única certeza absoluta nesses casos, é que você não deve em circunstância alguma beber e dirigir.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Inferno São os Outros


Hoje eu estava pensando naquela famosa frase: “Sua liberdade termina onde a minha começa”.

Pra eu entender essa frase, eu tive que me submeter a algumas reflexões. “O que é liberdade”?

Muitos encaram a liberdade como o agir desprendido de restrições e regras, mas essa não é a real liberdade, a que vivenciamos. A liberdade é a existência de escolha dentro de determinadas regras ou restrições.

Às vezes eu mesmo me confundo com essa minha conclusão. Mas eu percebo as liberdades pessoais como coisas que coexistem e não como coisas que se limitam.

E de certa forma, o “homem foi condenado a ser livre”. Liberdade traz responsabilidade.

Nossas escolhas repercutem de alguma maneira em alguma coisa, sempre. As leis só cuidam para que nossas escolhas não influenciem na liberdade de escolha das pessoas que nos rodeiam. E é isso o que angustia o homem que se vê no constante estado de escolher, e o que o leva à inércia, mesmo esta sendo uma escolha – a escolha de não agir.

Infeliz (ou felizmente?), e obviamente as sociedades mais presas as regras são as que mais prosperam afinal as “limitações sociais” provavelmente foram criadas com o propósito de organizar e tornar uma ‘coletividade’ produtiva. O ser humano que tem o maior leque de escolhas tende a escolher o caminho errado. Que surpresa.

Eu me sinto incrivelmente contraditório quando eu me proponho a envolver-me nesses assuntos existencialistas. Eu acredito que o homem devia ser o mais livre possível, mas isso nunca vai ser uma realidade, já que o ser humano por natureza abusa de tudo que lhe é concedido.

Eu encaro o livre arbítrio como uma maldição. Eu posso dizer que eu gosto muito da minha liberdade limitada de escolhas, mas sempre vai ter gente que não vai saber usá-la. É aí onde entra os conflitos, a sede de poder, e o mundo repleto até a borda de lixo? Acho que sim.

Mesmo assim, o ser humano nunca vai estar em consenso enquanto não tomarmos todos as decisões corretas, e por que somos por natureza diferentes; Além do termo “existência” tenho lido bastante o termo “essência”, que implica na personalidade que vamos adquirindo, modificando e aperfeiçoando de acordo com cada uma de nossas decisões. E, bem, sempre tomaremos um caminho diferente do outro.

Então, até onde eu posso encarar que eu sou livre para fazer o que eu quero? Até onde eu posso usar, enfim, o termo “liberdade”?

O ser humano é livre por que ele detém o livre arbítrio?

Talvez essas perguntas não sejam tão importantes. Talvez o que nós devemos nos ater a pensar seja no que fazemos com nossa ilusão de liberdade, por que um dia inevitavelmente vamos ter todas as respostas.

Aliás, vamos?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Poema a um Cavalo



Eu não posso te ajudar, a não ser que você queira ser ajudado. Sua cura não se dá a partir de minha boa vontade.

Eu tentei, eu juro que eu tentei, mas talvez eu não seja forte o suficiente para cuidar dos meus problemas somados aos teus. Me perdoa.

Quisera eu te livrar da tua culpa, mas eu já me sinto culpado demais. Culpado por não ter conseguido te resgatar, culpado por não ter conseguido livrar-te de ti mesmo.

Mas eu não posso te ajudar, a não ser que você queira ser ajudado; E você não quer, o que faz de meus esforços meros pingos de suor derramados a troco de nada.

Um dia você vai encontrar alguém que saiba administrar duas vidas ao mesmo tempo, eu espero, mas eu não posso mais desperdiçar minha vida dessa maneira.

Foi bom te conhecer, mas eu tenho muito mais o que fazer.


"Nice to meet you, but i gotta go my way!"